Diferenças Entre Homossexual e Gay

por Breno Lucano

Homossexual é um termo que surge no contexto do final do século XIX, e ilustra uma suposta categoria de indivíduos portadores de uma doença misteriosa. Tal patologização, no entendimento de Foucault, foi fundamental para o enclausuramento dos que a sociedade não entendiam como normais e sadios - demonstro um pouco sobre esse processo no texto Bicho de Sete Cabeças e Filosofia -, de tal forma que apenas no final do século XX a homossexualidade foi retirada do rol de distúrbios listados pelo Catálogo Internacional de Doenças. Até década de 1960, "homossexual" foi o termo utilizado, carregado de implicações médicas, legais, psicológicas.





Mas, nos anos 1960, paulatinamente alguns homens e mulheres passaram a se referir a si mesmos como gays, do inglês "alegre", o que provocou consternação em muitas pessoas de sexualidade dita normal, uma vez que um vocábulo comum tinha sido sequestrado por um assim dito grupo pervertido. A diferença mais substancial entre os termos gay e homossexual está no fato de que, enquanto a categoria homossexual era um objeto de conhecimento das biociências - e ainda o é -, os gays eram um grupo específico que afirmava ostensivamente um posicionamento político. Um grupo que lutava por seus direitos, pela descriminalização, um grupo que lutava em prol do respeito às diferenças. Ou, em outras palavras, a levar em últimas instâncias Stonewall.

Ser gay, portanto, seria questão de orgulho, e não patologia. Seria uma postura de resistência contra as normatividades, uma resistência na qual o sujeito, dizendo-se gay, está a dizer: sou feliz desejando o que desejo, e não me sinto mal por isso. Do mesmo modo que os movimentos feministas conquistaram espaço para as mulheres ao longo dos mesmos anos 1960, os movimentos gays se negaram a assumir para si a representação de sujeitos portadores de uma patologia. A partir deste ponto de vista, nem toda pessoa que deseja o próprio sexo é gay. Ela é alguém que deseja o próprio sexo e apenas isso: um homossexual. Mas ser gay é uma conquista pessoal, é assumir uma postura política, é lutar por um mundo em que as diferenças serão respeitadas. Para Foucault, nem todo homossexual é gay, e não o será enquanto permanecer paralisado em sentimento de culpa e submissão a um discurso patológico e, porque não, religioso.

Ao longo de Ditos e Escritos, Foucault aponta para o fato de que é preciso procurar ser gay, ou seja, assumir uma postura ativista, militante, que luta por um lugar ao sol. Mais do que simplesmente copiar os modelos heteronormativos, ser gay, segundo Foucault, é se aproveitar de sua diferença a fim de criar novas formas de relação, inventar novos estilos de vida e novas formas de ser no mundo. Ser gay não se ressumiria, portanto, a batalhar por uma inserção no estado vigente das coisas, e sim uma forma de alterar este estado vigente. O filósofo, em momento algum, pretende limitar sua abordagem à conquista de direitos existentes, como o direito ao casamento entre homossexuais, mas como uma militância sem fim, que vai alem do que existe atualmente.

Sobre a questão do casamento gay, por exemplo, Foucault reconhece que tal conquista é importante, mas que limitar a luta à mera reprodução do modelo conjugal heteronormativo seria um empobrecimento, uma perda de oportunidade de realizar mudanças significativas. De modo algum a busca política pelo casamento seria ilegítima, mas limitar o ser gay apenas na luta política significa limitar o processo criacional. O que ele propõe é algo muito mais revolucionario do que muitos militantes gays poderiam sequer aventar: as utilização da própria condição marginal como uma forma de não apenas ser aceito pela sociedade, mas como uma forma de transformar a estrutura da sociedade.

Por fim, por mais que a identidade sexual pareça ser um componente fundamental de nossas identidades, sejam elas gays ou heteros, nos somos muito mais do que nossos gostos sexuais - é curioso notar como, em termos de gostos, o desejo sexual parece ter tanta importância em nosso mundo, a ponto de ninguém pensar em se definir ou se rotular porque gosta, por exemplo, de comer ostras ao vinho ou beber suco de manga. As palavras que usamos e os pensamentos que formentamos definem as coisas que somos, como uma construção contínua da realidade, que será mais ou menso rica a depender de nossa militância individual em prol de um mundo mais rico em termos de possibilidades relacionais, um mundo em que as diferenças são respeitadas, ainda que não inteiramente compreendidas. A bandeira do arco-íris, deste modo, seria mais do que a representação de um desejo sexual. Seria a representação daquilo que vem após as tempestades, um sinal de aliança e de coexistência possível das diferentes cores, num mundo que viabilize o encontro e a amizade entre as pessoas.



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Enfermeiro formado pela UFRJ. Pós-graduado em saúde mental. Humanista. Áreas de interesse: Cinismo; materialismo francês; Sade; Michel Onfray; ética. Idealizador e escritor do Portal Veritas desde dez/2005.

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