La Mettrie e Seus Escritos

por Breno Lucano

La Mettrie é um daqueles filósofos renegados, esquecidos, desprezados? Quem se recorda dele? Quem teria a coragem de atribuir-lhe o título de filósofo maior? Ninguém. Quanto muito encontramos seu nome em uma única nota de rodapé num livro de 600 páginas. Claro, a leitura de Kant é mais atrativa...

A primeira dificuldade consiste em determinar a data de seu nascimento. O Rei-Filósofo Frederico II, que o abrigou em sua corte por muito tempo, afirma em seu livro Elogio a La Mettrie que nasceu a 25 de dezembro de 1709. O registro de nascimento em sua cidade natal, em Saint-Malo, propõe outra data: 19 de dezembro de 1709.

La Mettrie realiza seus estudos em Countances, depois em Caen com os jesuítas e, finalmente, em Paris, no colégio du Plessis. Seu título de médico é conquistado em Reims, onde o custeio do estudo é menor que na capital. Em agosto de 1734 registra seu nome oficialmente como médico em Saint-Malo, embora não abra um escritório particular.  Em 1742, após agravos de saúde, decide-se pela filosofia: Hipócrates é transformado em Sócrates.



Os cristãos, Descartes e todos os que pensam o Ser fora do imanente estão enganados. La Mettrie afirma no Discurso Preliminar, de 1751:

"Escrever como filósofo é ensinar o materialismo."

Assim, o objeto filosófico lamettriano se concentra no mundo, e nada mais. As séries causais, as mecânicas do real, o arranjo das causas e dos efeitos, tudo isso num puro plano de imanência, é esse o projeto concreto de um filósofo. Seu livro filosófico, História Natural da Alma (Histoire naturelle de l'âme), escrito em 1745, revisado em 1750 com o título Tratado da Alma (Traité de l'âme),  tornou-se sucesso absoluto. O clero assume posição refratária, o que faz com que La Mettrie assuma posição errática para evitar a morte. Passa por Holanda, Middelburg, Leiden - onde compõe O Homem-Máquina.

Costuma escrever em primeira pessoa, como Montaigne. Em Sistema de Epicuro (Système d'Épicure) confessa que, se nascesse outra vez, gostaria de viver tal como viveu: comendo do bom e do melhor, em boa companhia, no consultório e no galanteio, dividindo seu tempo entre a medicina, a arte e as mulheres - é sabido que La Mettrie teve várias investidas sexuais.

Nosso devasso é um devasso. Defende o duplo sentido do gozo: o que se obtém por meio da filosofia e por aqueles obtidos artificialmente. Como médico, teve acesso ao ópio e, com ele a união da alma ao corpo numa só matéria. La Mettrie descreve esse estado com entusiasmo, felicidade, alegria, prazer.

Amante do ópio, é certo, mas também da escrita. Escreve rápido demais e sem  planejamento, sem a minúncia própria de muitos filósofos. Apesar da profundidade própria de suas teses, não as detalha, não se empenha nos conceitos. Seus objetos de reflexão - corpo, alma, matéria, máquina, prazer, volúpia, felicidade, necessidade, remorso - não são devidamente conceituados; ou melhor, aprofundados.

Em seus escritos não faltam contradições. É provável que La Mettrie não lesse o que escrevera. Em apenas seis anos de produção filosófica temos idéias desconexas que suporiam  um autor com várias décadas: é comum se mudar de idéia no decorrer da vida! Vamos aos exemplos: em O Homem-Máquina, ele afirma a existência das leis naturais, já que os homens conhecem o remorso, assim como os os selvagens e os animais. Dessa forma, continua, afirma uma espécie de ética fundamental, uma virtude fundamental. Contudo, em outra ocasião, como em Sistema de Epicuro ou Anti-Sêneca, diz que o remorso é oriundo da educação e, portanto, ausente nos selvagens e animais. Dispõe em Os Animais Mais que Máquinas que os animais possuem de uma alma imaterial, ao passo que, em Tratado da Alma, defende a materialidade de tudo, até da alma. Numa oportunidade, os prazeres do corpo são superiores aos da alma para, logo depois, afirmar o contrário.

Não duvidemos, existem pormenores na obra lametriana, variadas tonalidades que necessitam ser lembradas. E esse é o trabalho do próximo texto...



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Enfermeiro formado pela UFRJ. Pós-graduado em saúde mental. Humanista. Áreas de interesse: Cinismo; materialismo francês; Sade; Michel Onfray; ética. Idealizador e escritor do Portal Veritas desde dez/2005.

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